quinta-feira, 17 de julho de 2008

[História] : Espírito "indie" renasce na Internet

Enquanto andava à procura de novas e interessantes edições para colocar no BPF fui dar ao jornal Público e a este texto escrito em 28.02.2006 por Pedro Rios sobre as editoras virtuais em com especial destaque para as netlabels nacionais.

Editoras virtuais
Espírito "indie" renasce na Internet

28.02.2006 - 13h40 :, Pedro Rios (PÚBLICO)

"Basta eu achar que a música é fantástica que não penso duas vezes e edito-a." A frase de Pedro Leitão, responsável pela test tube, uma das primeiras editoras virtuais (ou netlabels) portuguesas, sintetiza o imediatismo que a Internet veio trazer à edição e ao acesso à música. Desde a sua criação, em Julho de 2004, a test tube já lançou 36 edições de músicos nacionais e estrangeiros. Há discos que chegam aos 500 downloads ao fim de dois meses on line - números consideráveis no diminuto mercado português. A test tube é uma das netlabels portuguesas, cujo número cresceu entretanto para uma dezena, quase todas surgidas no último ano.

As netlabels distribuem música em formatos digitais. As edições são semelhantes às de uma editora tradicional, mas estão disponíveis na Internet, regra geral, gratuitamente. Surgiram, a nível mundial, na década de 1990, mas têm raízes na chamada demoscene (equipas de artistas gráficos, programadores informáticos e músicos que competiam entre si). A maior parte destas editoras virtuais lança música electrónica ou experimental, mas há editoras dedicadas a outros géneros.

"Com o avanço tecnológico, o formato tornou-se como a música: imaterial", refere Pedro Granja Carvalho, da Plastic4Records. "A tecnologia evoluiu a tal ponto que nos permite divulgar música com escassos recursos obtendo potencialmente os mesmos fins que qualquer editora major [multinacional]", continua. Para André Neto, da Yellow Bop Records, as netlabels "espevitaram o músico que há em nós" e, por outro lado, permitem "aceder directamente ao consumidor". Por estas razões, há quem as compare às editoras independentes dos anos 1980, que também apregoavam o "faça você mesmo".

Indissociáveis do movimento de mudança na indústria musical imposto pela Internet, estas plataformas vêm colocar questões de direitos de autor, já que, ao contrário de outras formas de obter música na rede, pautam-se pela legalidade, através de licenças como as Creative Commons. Para Fernando Ferreira, da MiMi, existe nas editoras virtuais uma "atitude subversiva", mais do que "política". "As netlabels existem para provar que o universo da música digital não é uma afronta às companhias discográficas e aos seus artistas, mas sim uma forma de expressão por direito próprio, e de liberdade artística", argumenta.

Paisagem nacional diversificada

João Mascarenhas, da You Are Not Stealing Records, sustenta que a gratuitidade e a redução dos custos de produção associadas a este fenómeno "possibilitam mais espaço para coisas experimentais", mas alerta: "a democratização pode criar a ilusão de que qualquer coisa serve". Filipe Cruz, da Enough Records, a primeira netlabel criada em Portugal (em 2002), está satisfeito com o aumento do número de projectos congéneres, visto que, defende, este tipo de editoras "demonstra muito mais a cultura das cidades de todo o Mundo do que as editoras [tradicionais]". "É por isso que tenho uma netlabel", remata.

Ainda ligadas maioritariamente à música electrónica mais experimental, a tendência é que surjam editoras de todos os géneros. A Merzbau, por exemplo, é uma iniciativa de Tiago Sousa, um "outsider da cena netlabel", mas que, através dela, conseguiu "mover algumas iniciativas como o Out.Fest [festival no Barreiro] ou algumas noites de concertos com artistas" da editora, cujo foco de atenção é o rock.

A Merzbau, dedicada totalmente à música nacional, fez este mês um ano de existência, assinalado com o lançamento de um EP dos Lemur. Tiago Sousa considera que a dimensão da comunidade destas novas editoras portuguesas "continua a ser diminuta" e "cingida às pessoas que seguem o underground". Contudo, não acredita num "conceito fechado de netlabel", que pode vir a ser mais comercial do que actualmente. De igual forma, Carlos Monteiro, da Necrosymphonic Entertainment, uma editora orientada para o rock mais pesado e com raízes no metal, diz que o conceito é "bastante maleável". Fernando Ferreira, da MiMi, conclui: "As netlabels vão ser as editoras indie [independentes] do futuro e tendem a crescer cada vez mais. Existirão de todos os tipos de música, mais experimentais ou mainstream. Este facto não desvaloriza nada a filosofia das netlabels, pelo contrário - a música é [feita] por toda a gente e para toda a gente. É esta a ideologia das netlabels".

As netlabels portuguesas


Enough Records
http://enoughrecords.scene.org/
Primeira netlabel nacional. Tem já mais de 60 lançamentos, privilegiando formas de electrónica mais cerebrais, como a IDM e o dark ambient.

Merzbau
http://merzindie.no.sapo.pt/
A netlabel portuguesa mais voltada para o rock (de apelo indie) e exclusivamente dedicada à música portuguesa.

MiMi
http://www.clubotaku.org/mimi/
Novas tendências da música electrónica portuguesa e japonesa. Um dos projectos do ClubOtaku, organização divulgadora da cultura nipónica.

Necrosymphonic Entertainment
http://www.necrosymphonic.com/
Conta apenas com duas edições, que revelam a orientação da editora para o rock gótico e metal (com electrónica pelo meio).

Plastic4Records
http://plastic4records.com/
Música electrónica para pistas de dança convive com propostas mais abstractas.

test tube
http://www.monocromatica.com/netlabel/
Em pouco tempo, construiu um extenso catálogo com preponderância da música electrónica, mas também de rock menos ortodoxo.

Yellow Bop Records
http://essaycollective.org/yellowboprecords/
Projecto associado ao Essay Collective, reúne "dois produtores, dois músicos e um escritor de canções". Electrónica de vários feitios.

You Are Not Stealing Records
http://www.stealingorchestra.com/infolabel.htm
Netlabel de João Mascarenhas, dos Stealing Orchestra. Foi criada com a ideia de lançar discos da banda e projectos paralelos, mas alargou o raio de acção a outros artistas.

O texto foi transcrito ispsis verbis (link) e serve como mais um documento histórico sobre netlabels nacionais.

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