terça-feira, 22 de abril de 2008
Música absoluta da floresta
O lançamento (ou lançamentos, na realidade) a que este texto reporta, é já de Agosto de 2007, mas recebi hoje do Thelmo uma cópia dum artigo saído no início deste mês lá no Brasil e achei que valia a pena todos lermos. Quem sabe depois não terão curiosidade de ir ouvir a obra deste Pernambucano sui generis. O texto vai mesmo em português do Brasil... façam de conta que o acordo ortográfico já entrou em vigor...
«Terça-feira, 1 de Abril de 2008
Música absoluta da Floresta
"Pernambucano Thelmo Cristovam gravou sons da Amazônia que ouvidos humanos não conseguem captar sem o auxílio de equipamentos"
Júlio Cavani, Da equipe do Diário
Pássaros, mamíferos, insetos, plantas, árvores e vento é tudo o que se ouve nos discos da série Field recordings, gravados pelo pernambucano Thelmo Cristovam no meio da Floresta Amazônica, em volta do lago Mamori, localizado a quilômetros de distância de qualquer sinal de civilização. Quatro dos seis álbuns do projeto já foram lançados na internet e os próximos dois estão em finalização. Na página do selo musical Test Tube, de Portugal, ele foi escutado por mais de mil pessoas em menos de um mês. O artista tem certeza que faz música, apesar de poder ser questionado quanto a isso, mas também não está muito preocupado com esse tipo de classificação ou julgamento. "Sou músico, mas nunca conseguiria fazer uma canção", exemplifica.
O trabalho de Thelmo Cristovam raramente é divulgado na mídia no Brasil, a não ser em publicações alternativas especializadas. Seus discos, contudo, já foram lançados por selos de países como Estados Unidos, Alemanha, França, Grécia, Portugal, Suécia, Argentina, Holanda e Austrália. No Recife, ele já foi DJ de jazz nas quintas-feiras do bar Garagem (há mais de quatro anos), colaborou com os artistas dos grupos Moluscos Lama, Re:Combo e Telephone Colorido, entre outros, e participa de bandas como Hrönir e Nuclear Extreme.
Em Field recordings, Thelmo deixava os microfones sozinhos no meio da floresta e depois tentava se distanciar o máximo possível, pois a presença do homem pode ser sentida por determinados animais (e pelos gravadores) a uma distância de mais de um quilômetro. Com o projeto, portanto, ele capta aquilo que nenhum ser humano é capaz de escutar ao vivo.
As gravações ocorreram quando Thelmo foi selecionado como bolsista de uma oficina com o músico basco Francisco López, que trabalha com música concreta absoluta. Os alunos passaram dez dias na floresta, em uma casa de madeira que funciona como laboratório de arte do grupo europeu Malab. Ao todo, ele registrou mais de dez horas de sons da natureza. Para cada disco, seleciona trechos contínuos dessas sessões.
Se alguém ouvir Field recordings com um fone de ouvido, portanto, pode fechar os olhos e dormir com a impressão de estar em plena selva. Em alto volume, a complexidade desses conjuntos de sons é amplificada, com momentos de harmonia absoluta ou de ruído caótico estridente. A quantidade de aves que tiveram seu canto registrado simultaneamente, por exemplo, é praticamente incalculável. Nenhum trecho se repete. Cada novo minuto é diferente do anterior. O resultado se modifica completamente de acordo com o horário e o local onde foram feitas as gravações.
"Qualquer imbecil faz isso", comentou um internauta na página do Test Tube após ouvir o trabalho de Thelmo. Em um projeto como esse, no entanto, o papel do artista não é tocar um instrumento ou escrever uma composição. O gesto criativo está em tomar decisões sobre onde e como gravar e editar o material depois de ouvir tudo com calma para selecionar o que entra no disco. Ao ser transportado para o contexto da arte, esse conteúdo sonoro (nunca uma tentativa de reprodução da realidade natural) é absorvido pelos ouvidos com novos significados, surgidos a partir das interpretações espontâneas de quem ouve.
Nada é o que parece ser
"Não trabalho com notas musicais", explica Thelmo Cristovam. Seu trabalho não é pautado pelas convenções do que costuma ser entendido como música. Os conceitos a que todos estão acostumados, afinal, nasceram de contextos sócio-culturais e hegemonias artísticas. Se a história recente da humanidade fosse menos influenciada por padrões hierárquicos europeus, noções de "erudição" ou "melodia", por exemplo, seria completamente diferente.
Thelmo tem um disco chamado Trombone. A maneira como ele extrai sons desse instrumento de sopro, no entanto, não tem nada a ver com a forma como ele foi feito para ser tocado. Em outros álbuns e apresentações ao vivo, o artista faz o mesmo com um saxofone e com um trompete, pois está mais interessado em testar as possibilidades da interação entre os microfones e a estrutura física desses metais. A sonoridade resultante é irreconhecível.
Sua formação universitária não é em música, mas em física e matemática. No disco Mercado de São José, ele simplesmente gravou o som ambiente do lugar-título enquanto caminhava ao seu redor. Atualmente, Thelmo tem se dedicado a uma peça contínua com mais de seis horas de duração, que não pode ser interrompida ou dividida em discos separados, então precisaria ser executada em algum tipo de audioinstalação. Também estão entre suas atividades a criação de novos tipos de ruídos e o estudo das formas de reverberação e propagação das ondas no espaço.
Ele inventa boa parte de seus processos de criação, mas também se baseia em métodos praticados em diversos países, desenvolvidos em escolas e movimentos estéticos legitimados, como o concretismo, o free jazz e a eletroacústica. Os mais de 50 discos que Thelmo gravou ou em que participou como convidado, inclusive os Field recordings, podem ser baixados em seu blog pessoal (www.vgerme.blogspot.com).»
DP, Viver, 01/04/08.
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